A arte de transformar crises em oportunidades

Sílvia Leite à beira mar na Costa Vincentina (2018)

Sílvia Leite à beira mar na Costa Vincentina (2018)

“Desistir, nunca!”, o lema de Sílvia

 
Sílvia na Quinta da Regaleira (2015)

Sou a Sílvia, tenho 42 anos e doença renal crónica.

A minha doença foi detetada no ano 2000, quando tinha 23 anos, após umas análises de rotina, por já sofrer de anemia. Comecei a fazer medicação, análises e consultas, frequentemente, apenas para vigiar e ir ajustando as doses.

Durante esse período de tempo levei uma vida perfeitamente normal e sem excessos, controlando sempre a alimentação e fazendo exercício físico.

Aos 24 anos, iniciei a minha carreira como professora, profissão esta que adoro, mas que ao longo destes anos tem sido cada vez mais desgastante e desvalorizada.

Engravidei aos 25 anos e, a 10 de julho de 2003, tive uma linda menina, hoje uma adolescente com 15 anos.

Optei por fazer diálise peritoneal, pois para a minha vida familiar e profissional era a que mais se adequava.

“O meu mundo caiu ...”

Em 2014, o nefrologista revelou-me que os níveis das análises estavam cada vez mais alterados e teria de iniciar diálise. O meu mundo caiu... Foi a fase mais difícil de suportar, não porque teria de fazer diálise, mas porque nunca pensei que tivesse de iniciar tão cedo, com 36 anos. Fiquei muito confusa e muitas dúvidas começaram a pairar na minha cabeça, mas não havia volta a dar. Arranjei força e segui em frente. Desistir, nunca!

Após uma consulta de esclarecimento optei por fazer diálise peritoneal, pois para a minha vida familiar e profissional era a que mais se adequava.

Dois dias depois de fazer 37 anos, a 16 de setembro de 2014, coloquei o cateter e iniciei diálise em outubro desse ano. Fiz a aprendizagem no Hospital Garcia de Orta, com uma equipa espetacular, e comecei em casa a diálise peritoneal manual. Após 15 dias, iniciei a diálise peritoneal automática, adaptando-me muito facilmente às minhas rotinas de tratamento diárias.

No verão de 2015, comecei a ter algumas infeções no orifício do cateter, infeções essas que nunca passaram com antibióticos, apesar de estar a ser muito bem acompanhada pela equipa da diálise peritoneal do Hospital Garcia de Orta. Como não podia estar sempre a fazer antibióticos, e como a infeção não dava tréguas, em novembro de 2015, o meu médico da diálise peritoneal sugeriu que retirássemos o cateter que estava no lado direito da minha barriga e colocássemos outro no lado esquerdo.

Tive de parar a minha vida profissional e fiquei de baixa durante oito meses.

Lidar com o inesperado

E assim foi. A cirurgia realizou-se a 29 de dezembro de 2015 e tive alta no dia 30 de dezembro e, a partir daí, comecei a ter muitas dores, que não acalmavam com ben-u-ron. Após cinco dias com dores, fui mudar o penso à unidade de diálise peritoneal e verificou-se que continuava com a infeção e inclusive tinha contraído uma bactéria. Mais uma vez, o mundo caiu. Mas eu não desisti e a equipa da diálise peritoneal também não.

Iniciei desde logo os antibióticos e todos os dias, ou dia sim, dia não, tinha de ir ao hospital para o cirurgião e o médico da diálise peritoneal controlarem a infeção da melhor forma. Após três semanas de tratamento, análises e acompanhamento, a infeção estava controlada.

Iniciei novamente a diálise, pois tinha parado para colocar o segundo cateter, e só então é que me comecei a sentir melhor. Foi nesse momento que percebi que realmente a diálise me fazia muita falta e que precisava dela todos os dias para o meu corpo estar estável e com alguma energia.

Após esse período bastante desgastante física e emocionalmente, tive de parar a minha vida profissional e fiquei de baixa durante oito meses, iniciando novamente o trabalho a 1 de setembro de 2016, isto já com 39 anos de idade.

A minha história, ainda nem vai a meio. Desistir, nunca!

Nas rédeas da vida, sem medo de acelerar

Neste momento estou a trabalhar e tenho uma vida ativa, dentro do possível e das minhas capacidades. Faço ioga, ginásio, zumba, caminhadas na praia e tenho uma vida familiar e social ativa. Faço diálise peritoneal automática todos os dias, tendo a liberdade de me ausentar de fim de semana, sempre que tenho necessidade, fazendo assim uma paragem ou outro na diálise. Também no verão interrompo a diálise por, pelo menos, uma semana, descansando assim também dessa rotina.

A diálise faz parte do meu ritual diário há quatro anos para cá, tendo consciência que apenas irei parar quando fizer o transplante. No início não foi fácil, pois a cabeça perguntava-me sempre “Porquê já?” e ao ver-me ao espelho, com um cateter na barriga, sentia que nunca mais iria ser a mesma. Depressa passou esse sentimento. Consciencializei-me de que era apenas uma fase, arranjei estratégias para esconder o cateter e vestir o que sempre gostei e, principalmente, coloquei na minha cabeça que o principal é que estava viva, podendo continuar a fazer tudo, e que ficava mais forte a cada batalha. A diálise veio fortalecer a minha capacidade de ultrapassar os obstáculos da vida e, por isso, sou grata, pois sei que hoje estou uma mulher diferente da que era há quase cinco anos.

A diálise faz parte do meu ritual diário há quatro anos para cá, tendo consciência que apenas irei parar quando fizer o transplante.

Para quem tem doença renal crónica, quando iniciamos a diálise, parece que o nosso mundo vai parar, mas depressa nos damos conta que temos mais força do que algum dia pensávamos ter, basta procurá-la bem dentro de nós. Quando somos otimistas e positivos é muito mais fácil superar qualquer problema que nos apareça. Também é muito importante sermos bastante ativos profissionalmente, socialmente e praticar muito exercício físico, pois faz milagres à nossa cabeça. Os dias nem sempre serão fáceis, mas o importante é não desistirmos de nós próprios.

Não posso deixar passar a oportunidade de fazer um agradecimento especial a toda a equipa da diálise peritoneal do Hospital Garcia de Orta. São enfermeiros, médicos, assistentes técnicos e assistentes operacionais que fazem o impossível para nos fazer sentir bem, quando estamos bem longe disso.

Quanto ao transplante, esse, aguardo ansiosamente o dia em que o telefone tocará, sendo incerta a forma como irei reagir.

Sem dúvida alguma que também tenho sempre ao meu lado a minha família e, em especial o meu marido e a minha filha, e os meus amigos, que tudo isto não seria suportável sem os seus “empurrões” de força e boa energia.

Quanto ao transplante, esse, aguardo ansiosamente o dia em que o telefone tocará, sendo incerta a forma como irei reagir. De qualquer maneira, aguardo, esperançosamente, que seja a solução para a minha doença e para melhorar a minha vida física e emocional, pois a minha história, ainda nem vai a meio. Desistir, nunca!

Sílvia Leite


Imagens: Fotografias de Sílvia Mendes gentilmente cedidos pela própria