A gratidão e a esperança no transplante. Testemunho de Cláudio Mendes (Parte 2).

Cláudio Mendes com o irmão em Espanha.

Cláudio Mendes com o irmão em Espanha.

 

(2ª parte - continuação)

Tento desfrutar ao máximo de cada dia e não me deixar condicionar pela doença.

A minha relação com a doença tem tido os seus altos e baixos, pois a fase de aceitação e adaptação nunca é fácil, mas com o apoio dos profissionais de saúde do Hospital, da família e dos amigos consegui melhorar a minha relação com a doença e, hoje em dia, tento desfrutar ao máximo de cada dia e não me deixar condicionar pela doença. Apesar de tudo, consigo ter uma boa qualidade de vida e estou sempre com o pensamento positivo que o dia do transplante irá chegar e que será um órgão bom e compatível.

A doença renal crónica e a diálise levaram-me a fazer algumas alterações e têm tido impacto, tanto positivo como negativo, na minha vida. Sinto que me tornei uma pessoa mais forte, agradeço a Deus por me ter feito passar por esta experiência e por me dar forças para continuar a acreditar na vida, agora com uma visão diferente, ter a possibilidade de ser um exemplo para outros doentes e mostrar que, apesar das dificuldades, conseguimos ter uma vida normal. Dos aspetos menos positivos, destaco o afastamento de algumas pessoas que não aceitaram a minha condição e nunca me apoiaram, bem como aqueles que me trataram como um coitadinho, tendo colocado a minha moral em baixo.

A atividade física foi um dos principais responsáveis por estar bem fisicamente e mentalmente.

O desporto como meio de superação 

No meu caso considero que a atividade física foi um dos principais responsáveis por, neste momento, estar bem fisicamente e mentalmente, pois, como referi anteriormente, a atividade física traz muitas vantagens, como a integração social, definição de objetivos, melhoria da autoestima, entre outras. Sem o desporto, muito provavelmente, seria uma pessoa menos confiante, mais sedentária e acabaria por ceder à doença. 

A título de exemplo, em 2018, decidi participar numa corrida de 5 km e quando comecei a treinar para essa prova em janeiro, demorava mais de 45 minutos, mas, em junho, realizei a prova em 27 minutos. Quero com isto dizer que o nosso corpo tem uma capacidade de adaptação e superação incríveis. Nada é impossível, desde que queiramos muito e trabalhemos para isso. 

O nosso corpo tem uma capacidade de adaptação e superação incríveis.

Depois de ter o diagnóstico de doença renal crónica, tive muitas conquistas no desporto. A nível nacional, fui vencedor do Torneio de Ténis de Mesa do Grupo Desportivo de Transplantados de Portugal em 2016, participei nas corridas de agradecimento ao dador de 8 km em 2016 e de 10 km em 2018 e fiz parte das corridas de S. Silvestre do Funchal com 6 km em 2016, 2017 e 2018.

 
Corrida nos Jogos Europeus.

Corrida nos Jogos Europeus.

 

A nível internacional fui o primeiro atleta dialisado a participar nos jogos europeus em 2016. Esta participação permitiu a partilha de experiências com outras pessoas que estão a passar pela mesma situação e outras que já passaram e que estão transplantadas, pelo que percebemos que não estamos sozinhos neste caminho e que existem muitas pessoas que estão connosco e com as quais podemos contar com o apoio e a experiência. 

Tinha como objetivo chegar ao pódio, ou seja, conseguir um dos três primeiros lugares na modalidade de ténis de mesa, mas a minha participação não podia ter corrido melhor, pois acabei por ganhar a competição e conquistar o título de Campeão da Europa de Ténis de Mesa para Dialisados. A prova não começou propriamente bem, pois logo no primeiro jogo do grupo defrontei o principal candidato ao título e estava extremamente nervoso, tendo perdido os dois primeiros setsda partida, mas depois consegui arranjar motivação e focar-me no meu objetivo ao recordar uma frase de um amigo: “O crer é mais forte que o poder” e, com isso, dei a volta ao jogo e acabei por ganhar por 3-2.

Nada é impossível, desde que queiramos muito e trabalhemos para isso.

Em 2018, voltei a participar nos Jogos Europeus, mas desta vez tinha como objetivo sair da minha zona de conforto e desafiar-me a conquistar mais medalhas e a defender o título de campeão europeu conquistado em 2016. A primeira prova que participei foi a corrida de 5 km, na qual conquistei o terceiro lugar (medalha de bronze), com um tempo de 27 minutos. A segunda prova foi a de Ténis de Mesa Singulares, tendo conquistado o primeiro lugar revalidando, assim, o título de Campeão da Europa de Dialisados (medalha de ouro). Seguiram-se as provas de Ténis de Mesa de Pares e Pares Mistos, nas quais alcancei o segundo lugar (duas medalhas de prata) e, finalmente, a prova de corrida de 100 m em que fiquei em segundo lugar (medalha de prata). Na gala de encerramento fui distinguido como o Melhor Atleta Dialisado Europeu, uma conquista inédita para o nosso país, motivo de grande orgulho e uma prova que todo o trabalho e sacrifício valem a pena.

 
Por maior que vos pareça o obstáculo, não se deixem derrubar e deem sempre o vosso melhor.

Benefícios da disciplina 

Desde o início dos primeiros sintomas até à entrada em diálise peritoneal, passaram-se cerca de oito anos, o que não é muito normal, na medida em que a doença renal pode ter uma evolução muito rápida. No meu caso, o atrasar da progressão da doença pode estar relacionado com todos os cuidados que tive ao nível da alimentação, por ter cumprido a medicação prescrita e pela prática da atividade física, que me ajudaram a manter um nível de saúde mais equilibrado. 

Gostaria de deixar uma mensagem a todos para que nunca desistam dos vossos sonhos e objetivos. Por maior que vos pareça o obstáculo, não se deixem derrubar e deem sempre o vosso melhor. Sigam em frente, mesmo que o caminho pareça difícil, mas não importa se vai devagar, importa é nunca parar e nunca desistir.


Cláudio Mendes


Leia a primeira parte deste testemunho.


Imagens: Fotografias de Cláudio Mendes gentilmente cedidos pelo próprio