A minha menina não nasceu saudável e perfeita, mas tem direito à vida como todas as crianças.
Todos os pais que têm crianças com problemas de saúde, sejam eles renais ou outros, sentem preocupações e passam por dificuldades que são comuns.
Por esta razão, pela força do testemunho e como forma de promover o trabalho desenvolvido pelo grupo 'Pais21' do qual a Sónia faz parte, a equipa Pelo Rim quis partilhar consigo esta história.
Fui mãe pela primeira vez aos 33 anos de idade. A experiência trouxe-me tanta felicidade que pouco tempo depois voltei a engravidar.
A gravidez correu normalmente, fui acompanhada pelo mesmo médico obstetra e fiz os rastreios bioquímicos e todas as ecografias (4D) necessárias.
As análises deram resultado negativo para a Trissomia 21, também conhecida como Síndrome de Down, e as ecografias revelavam uma medida de Translucência Nucal normal. Às 24 semanas de gestação o atrio ventrículo cerebral estava com um valor próximo do limite. Repetimos a ecografia passadas duas semanas e o valor começou a baixar. Quer o médico obstetra, quer no Centro de Ecografia Dr. Alberto Relvas, asseguraram-me que estava tudo bem com a minha bebé.
A Catarina, a minha segunda filha, nasceu às 38 semanas de parto normal sem epidural (não houve tempo). Uns minutos após o nascimento foi chamada a médica pediatra que depois de uma breve observação da bebé informou-me que a minha filha tinha nascido com Trissomia 21.
A Trissomia 21 é uma alteração causada pela existência de três cromossomas 21, onde normalmente existem apenas dois.
Passei duas semanas no hospital, porque a Catarina teve icterícia e vivi um inferno. Fui negligenciada por médicos e pessoal auxiliar. Esqueciam-se de me trazer o jantar, a bomba para tirar o leite; não tive sequer uma visita de um médico e a primeira pediatra que apareceu no quarto nem me dirigiu a palavra. Valeu-me a equipa de enfermagem.
Ter uma criança é uma dádiva! A minha menina não nasceu saudável e perfeita, mas tem tanto direito à vida como todas as outras crianças. No entanto, a equipa médica (pediatras inclusive) viam-me como uma mãe negligente que não teria feito os exames para saber que a bebé nasceria com problemas. Apenas quando mostrei todos os exames (análises e ecografias) consegui ser tratada com respeito. Imagino o que seria se tivesse tido um diagnóstico pré-natal e, ainda assim, seguido em frente com a gravidez.
A Catarina, hoje à beira de completar 5 anos de idade, é saudável, os problemas de saúde que tem tido são quase sempre respiratórios, frequenta a pré-primária no ensino público regular e é aceite pelos seus pares como igual, apesar das diferenças, desde logo físicas, que existem.
As dificuldades que sinto enquanto mãe da Catarina têm a ver com a pouca preparação da sociedade para integrar pessoas diferentes.
Ter uma criança diferente exige disponibilidade física, financeira, uma boa estrutura psicológica e emocional, sendo fundamental ter uma boa equipa: escola – família – médicos. Conciliar a vida profissional com a pessoal é uma tarefa difícil.
Dito isto, a experiência de educar a Catarina e prepará-la para ser uma pessoa útil à sociedade é igual à de educar a minha filha mais velha, só exige mais tempo e criatividade. Faz as mesmas birras, é vaidosa, sabe o que quer e o que não quer e domina o iPad, o telemóvel e o comando da televisão.
Hoje posso dizer com a experiência de quem sabe do que fala que se pudesse voltar atrás não mudaria nada. Adoro as minhas filhas como elas são.
Sónia Gomes - Corporate Development Manager
Imagem: Mother and Daughter de Sebastian Jaramillo sob licença CC BY-NC-SA 2.0 | Fotografia da Sónia e da Catarina cedida gentilmente pela Sónia