Comunicação - o elemento-chave

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É impossível não comunicar. Este é um dos axiomas da comunicação humana. Mesmo quando não dizemos nada, estamos a comunicar. A expressão facial, o olhar, os comportamentos não-verbais, a postura e outros sinais estabelecem comunicação. Assim, é impossível querer estar, trabalhar ou cuidar de alguém que está doente sem nos interessarmos pela forma como comunicamos. A comunicação é uma componente da relação humana que não pode ser descurada. A comunicação humana tem o poder de ser uma ferramenta de trabalho, um instrumento de cuidados para com o outro e um instrumento do próprio para se cuidar. Considerando as suas potencialidades negativas, esta área pode trazer problemas ao doente, ao familiar e/ou ao profissional. Não comunicamos todos da mesma maneira, nem gostamos de saber as mesmas coisas e não estamos à vontade em comunicar sobre os mesmos temas. Haverá um doente que quer abordar um medo, outro que se ofende se lhe perguntamos se o tem e ainda outro que se revolta por ninguém lhe ter perguntado.

Então, como utilizar esta ferramenta? Como beneficiar do seu potencial? Como aprofundar as nossas competências comunicacionais? Como reagir com quem não quer falar?

Seja um doente renal, que tantos temas sensíveis quererá abordar (ou evitar), seja outra patologia e/ou problema que nos importuna, a comunicação está sempre presente.

A comunicação pode tomar um rumo mais informativo, com intuito de esclarecer, elucidar sobre factos e aumentar conhecimentos. É eficaz em saúde (física e psicológica) tentar perceber que informações são necessárias. Dá saúde ver satisfeitas necessidades de comunicação do tipo informativo. Neste processo arrumam-se ideias e sentimentos, processa-se informação, tomam-se decisões e parte-se para a ação. É fácil entender que a componente informativa da comunicação pode salvar vidas, dar (ou não) qualidade à vida e promover um melhor ajustamento à doença. Por exemplo: quem dá um rim sem estar informado? Quem pede um rim sem comunicar?

A comunicação pode tomar outros rumos e o seu objetivo não ser dar informação ou recolher informação, mas ajudar o outro. É interessante estar envolvido numa relação (médico-doente, doente-familiar, doente-doente, etc.) e sentir que a nossa comunicação (verbal ou não) traz à relação efeitos positivos de crescimento e desenvolvimento pessoal.

 

Comunicação que dá saúde

A comunicação eficaz em saúde, a que dá saúde mesmo àquele que padece de doença, é feita com espaço para o outro. Mais do que saber o que dizer, é deixar que o outro diga. O que sabe, o que quer saber, o que não sabe e o que não quer saber. Cada um tem as suas defesas, mas cada um tem também a sua forma de comunicar. Há que dar espaço ao outro, chamemos-lhe processo de escuta ativa, aceitação incondicional ou outro nome pomposo ou científico. Para existir comunicação na relação humana com potencial terapêutico, a componente de escuta tem um papel tão ou mais fundamental do que as palavras, tom ou postura adotada.

Todos podemos aprender a melhorar a comunicação, são competências que se vão desenvolvendo e aperfeiçoando, mas costumo dizer aos meus colegas de profissão que não trabalham em saúde, que nesta área é preciso aprender a estar calado. O doente tem muita coisa para nos ensinar, expressar, sentir, mostrar… em suma, comunicar.

Hoje um doente disse-me: “Digo-lhe as mesmas coisas que já disse à família, amigos e médicos, mas quando digo a si sabe-me diferente e fico melhor.” Quando se ouve isto, sente-se que vale a pena exercer a profissão de psicóloga em saúde. Sentimos que a comunicação é real, poderosa e dá frutos.

É um facto, todos os doentes já repetiram as mesmas coisas a vários elementos significativos do seu tratamento ou da sua vida, mas nem sempre estabeleceram comunicação. Quando há um enfermeiro, um primo ou até outro doente com quem sentem que estabelecem relação, ganham ali verdadeira fonte de apoio emocional. É com aquele enfermeiro que querem ser picados, é com aquele primo que querem ir à consulta, é ao lado daquele outro doente que gostam de fazer o tratamento. Não seremos sempre os escolhidos, mas seremos às vezes.

 

Criar uma aliança terapêutica

Para estabelecermos uma aliança terapêutica com quem está doente ou passa por uma fase de tratamento mais agressiva, não é necessário termos passado pelo mesmo. Até porque nunca seria o mesmo, porque somos diferentes e vivenciamos as experiências subjetivamente. Mas é preciso sabermos o que está a passar, pensar e sentir aquela pessoa com quem lidamos. Só assim podemos falar em processo de ajuda. Para atingirmos esse fim, não podemos deixar de ter uma atitude empática e de valorizarmos a comunicação estabelecida. A empatia não exclui a simpatia, mas não é definida por ela. A empatia implica sabermos ver a perspetiva do outro, mostrar-lhe que o estamos a perceber e que de facto percebemos mesmo, mas que não estamos a sentir o mesmo. O técnico que é empático sabe entrar tão bem na situação comunicacional, como sabe igualmente sair. Há muito que ler, treinar e aprender sobre a empatia, porque esta é outra ferramenta de trabalho que nos ajuda e ajuda o outro.

 

Desenvolvimento pessoal e profissional

Também temos de nos preocupar com o nosso desenvolvimento pessoal e profissional. Não podemos ser sempre da mesma maneira e comunicar da mesma forma. Não pode ser a comunicação que idealizamos ou a que lemos nos livros ou a que “seria melhor para o doente”. Tem de ser a comunicação que a pessoa nos mostra que é melhor para ela. Os vícios de comunicação de cada um têm de ser identificados, trabalhados e melhorados. A pessoa com quem estamos ou trabalhamos merece-nos esse esforço. Ela não quer os nossos vícios ou discursos aprendidos, quer estar connosco. Estar em comunicação.

É importante reconhecer quais os obstáculos à comunicação que estamos a sentir naquela relação.

É importante reconhecer quais os obstáculos à comunicação que estamos a sentir naquela relação, em nós ou na pessoa e que podem ir desde algo simples a algo mais complexo. Uma sala sem cortina corrida, uma porta que está sempre a ser aberta, um telefone que toca, barulhos de fundo, o técnico que não levanta a cabeça do monitor do computador, o enfermeiro que pica sem avisar ou pedir licença. Também podem ser os nossos sentimentos (“Que seria de mim se fosse eu?”), os nossos pensamentos (“não sei o que lhe hei-de dizer”), as nossas atitudes (permanecer a comunicar no corredor ou à frente de terceiros). Sejam quais forem os obstáculos, é preciso identificá-los e corrigi-los. Só assim a comunicação será bem estabelecida. Perdem-se uns vícios, mas ganham-se outros; é um trabalho contínuo.

A comunicação não fica encerrada num momento, numa consulta, numa sessão, numa festa, num telefonema. É um processo. Vai-se estabelecendo, construindo. Hoje correu mal, mas amanhã temos mais oportunidades. E para que continue, é preciso saber comunicar que continuamos disponíveis, interessados e motivados para a relação. Esperar que volte a bater-nos à porta. Ou batemos nós.

A comunicação não fica encerrada num momento (...). É um processo. Vai-se estabelecendo, construindo. Hoje correu mal, mas amanhã temos mais oportunidades.

Uma vez um senhor, utente do meu serviço, deixou-me um poster do Vitória de Guimarães em cima da secretária, clube da minha cidade natal, que lhe tinha saído no jornal desportivo. Este gesto, para quem está fora de contexto, parece simples. Para mim, foi a porta que ele abriu quando finalmente se sentiu pronto para comunicar. Quantas vezes lhe perguntei como estava e nada obtive além de um “vai-se andando”, a seguir perguntava-lhe “então e como vai o seu Benfica?”, aí falava ininterruptamente. Quando neste dia lhe agradeci o poster, decidiu contar-me como estava.

 

 

Quando a comunicação se inicia, a ajuda começa e a relação humana cresce.

 

 

Vera Guimarães - Psicóloga clínica

 

 

Imagem: Sunset Talking de Clément L. sob licença CC BY-NC-SA 2.0