Na vida como no ténis de mesa, vence quem acredita. Testemunho de Cláudio Mendes.
Chamo-me Cláudio Mendes, tenho 38 anos, vivo na Ilha da Madeira e sou Técnico de Informática. Pratico ténis de mesa e, atualmente, treino no Clube Sport Marítimo. A doença renal crónica faz parte da minha vida. Sou candidato a transplante renal, iniciei a diálise peritoneal em junho de 2015 e sou seguido pela excelente equipa do Serviço de Nefrologia do Hospital do Funchal.
Através do Pelo Rim, tenho o prazer de partilhar a minha experiência com a doença renal crónica e dar a conhecer uma parte da minha vida.
A insuficiência renal foi-me diagnosticada em 2011, tinha 30 anos, mas os primeiros sintomas manifestaram-se em 2008. Nessa altura, comecei a sentir-me mais cansado que o normal e com dores de cabeça. Consultei um médico de clínica geral, fiz análises, passei a ser seguido e a realizar análises de controlo de seis em seis meses, apesar de nunca se ter avançado com um diagnóstico.
Em 2009, comecei a ter hipertensão e foi-me dito que a minha doença era da tensão arterial. Foi em 2011, em exames realizados no âmbito do desporto, que detetaram alterações renais e voltei ao médico, que me prescreveu exames complementares e me reencaminhou para um nefrologista.
Na consulta da especialidade, falaram-me na suspeita de insuficiência renal crónica e pediram que repetisse as análises no dia seguinte de urgência no Hospital do Funchal. O diagnóstico foi confirmado e informaram-me que a doença estava no estádio IV. Foi a primeira vez que tive contacto com as terapêuticas de substituição da função renal.
A minha experiência de vida com a doença renal crónica pode-se dividir em três fases, da qual faz parte a prática desportiva.
Uma doença que avança no silêncio
A primeira fase compreende os sintomas iniciais, que vão desde o período de 2008 até 2011. Na altura jogava na 2ª divisão nacional de ténis de mesa federado e iniciei a minha carreira de treinador. Nesta primeira fase, o desporto teve um papel preponderante na deteção e no diagnóstico da minha doença, pois até então estava a ser seguido sem ter um diagnóstico e apenas a controlar a tensão arterial. Aproveito para deixar aqui um conselho no sentido de procurarem uma segunda opinião quando tiverem dúvidas sobre o vosso estado de saúde ou julgarem que algo não está bem.
Durante este período continuei a praticar desporto e acredito que o facto de ter continuado com a prática desportiva fez com que a doença não avançasse tão rapidamente, pois, de um modo geral, quando praticava desporto, sentia-me muito bem.
O diagnóstico da doença renal crónica dá origem à segunda fase, a qual me obrigou a fazer algumas alterações. Este período compreende os anos de 2011 até 2015. Foi um choque quando, em 2011, recebi a notícia que tinha doença renal crónica, que já estava numa fase um pouco avançada e que não tinha recuperação possível. No final de 2011 vi-me obrigado a deixar de jogar ténis de mesa federado, devido aos valores da tensão arterial e da creatinina que estavam elevados. Continuei ligado ao desporto, mas como treinador.
Em 2012, aceitei um desafio muito interessante e que viria a ser muito recompensador. Fui treinador de uma atleta que conseguiu o apuramento olímpico para os jogos de Londres. Conseguimos o feito histórico da primeira qualificação de uma atleta portuguesa para os jogos olímpicos na modalidade de ténis de mesa. Depois do sucesso deste apuramento, continuei a dar treinos até 2015, altura em que abandonei o desporto. Quando interrompi a minha ligação com a prática desportiva senti imensa falta dela e de tudo o que nos dá. O que o exercício nos dá vai muito além da condição física, na medida em que nos possibilita manter o contacto com outras pessoas e partilhar experiências, contribuindo para uma boa saúde psicológica e mental, melhora a autoestima e faz com que tenhamos objetivos.
Porquê a mim? E agora?
Durante o período em que não pratiquei exercício físico, tornei-me uma pessoa mais triste, menos otimista, com uma autoestima mais baixa e questionei-me “será que são os efeitos da doença?”. Na minha opinião, são. É preciso que haja um período de adaptação e de aceitação da doença e todas as pessoas necessitam desse tempo, que varia em termos de duração e de pessoa para pessoa. No meu caso, acho que foi um período que se agravou pelo facto de ter interrompido a prática do exercício físico.
Acredito que por trás de cada dificuldade há uma oportunidade e perante a dificuldade nunca devemos dizer “não consigo”, mas sim resistir, superar e seguir em frente. Se não tentarmos superar as dificuldades, elas nunca nos vão largar.
A terceira fase começou em 2015 e ficou marcada pelo início da diálise peritoneal. No início, foi tudo novo e parecia ser muito complicado. Tive um problema com o cateter que se deslocou para dentro da cavidade peritoneal e tive que ser submetido a uma cirurgia para recolocação e fixação do cateter. No início de 2016, decidi testar o tratamento da diálise peritoneal automática, em que as trocas dos líquidos eram efetuadas durante a noite enquanto dormia, tinha a duração de oito horas, mas acabei por não me adaptar e voltei à diálise peritoneal manual, onde faço três trocas por dia e considero que é apenas mais uma tarefa diária que tenho de cumprir, tal como tenho de me alimentar, por exemplo.
À semelhança do que aconteceu na fase dois, em que precisei de um tempo para me adaptar e aceitar o diagnóstico, também nesta fase precisei de um tempo para me integrar e conformar com o tratamento de substituição da função renal que escolhi como sendo a melhor opção para a minha vida.
Felizmente, com o início da diálise, voltei a sentir ânimo e força física e mental para voltar ao desporto e defini como objetivo voltar a representar Portugal numa prova internacional, neste caso, o Campeonato da Europa para Dialisados e Transplantados, que ocorreu entre 10 e 17 de julho de 2016, na cidade de Vantaa, na Finlândia.
Posso afirmar que foi a melhor decisão que podia ter tomado, na medida em que o regresso ao desporto melhorou muito a minha condição física, para além de me fazer sentir uma pessoa “normal” e perfeitamente integrada, a minha autoestima melhorou imenso e a minha saúde psicológica e mental voltaram aos níveis normais.
Cláudio Mendes
Leia a segunda parte deste testemunho.
Imagens: Fotografias de Cláudio Mendes gentilmente cedidos pelo próprio