Quando a doença renal marca o início de uma nova vida

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Jordão Brito - quando a doença renal marca o início de uma nova vida

 

O diagnóstico

A doença foi detetada numa fase tardia após ter sentido um conjunto de sintomas que, até então, não tinha experimentado e que me levaram a ficar internado durante 21 dias no Hospital Curry Cabral. Após uma semana de internamento, chegou o diagnóstico de doença renal crónica com início de hemodiálise.

Eu nunca tinha tido problemas de saúde, sempre fui uma pessoa saudável, achava que a hemodiálise era um tratamento que me iam fazer e que depois voltava para casa e tudo ficava bem. Estava longe de saber o que significava ser doente renal e fazer hemodiálise.

Achava que a hemodiálise era um tratamento que me iam fazer e que depois voltava para casa e tudo ficava bem.

Quando saí do hospital e depois de falar com os meus amigos é que me apercebi que se tratava de algo grave. Foi um choque ouvir os comentários que fizeram sobre a hemodiálise e a doença renal e só nesse momento é que me apercebi verdadeiramente da gravidade da situação. Senti medo, pânico e pensei muitas vezes “Será que eu vou morrer aos 32 anos de idade?”.

O meu primeiro dia na clínica de hemodiálise foi horrível. O enfermeiro chefe veio ter comigo, cumprimentou-me e identificou-se. Depois, perguntou-me se eu sabia o que era a hemodiálise e eu respondi-lhe que não fazia ideia nenhuma. O enfermeiro começou a brincar comigo, mas eu não estava a perceber, pelo que estava em pânico com a descrição que me estava a fazer. Inicialmente pensei que estava numa clínica de malucos. Apesar dos enfermeiros estarem a falar comigo na brincadeira, eu desconhecia que o estavam a fazer, porque falavam comigo num tom muito sério e eu não estava a gostar nada. Sentia-me muito assustado e só pensava: “Onde é que eu me vim meter? Será que eu estou maluco? Ou estou a sonhar? Será que vim parar a uma clínica de malucos?” Com o tempo acabei por me tornar amigo dos enfermeiros que me receberam e picaram pela primeira vez, mas a primeira abordagem foi muito assustadora.

Durante oito anos fiz hemodiálise três vezes por semana, mas depois como estava sempre com muito peso, passei a fazer quatro. Foi um período muito duro, apesar de ter trabalhado sempre e ter levado uma vida quase normal.

Durante oito anos fiz hemodiálise três vezes por semana, mas depois como estava sempre com muito peso, passei a fazer quatro.

Considero que o apoio profissional é determinante. Tive chefes muito compreensivos, mas tive outros que não compreendiam que tinha de sair mais cedo para fazer hemodiálise nem quando chegava ao trabalho muito cansado e a minha produção não era a mesma. Os meus colegas sempre me deram muito apoio e incentivo. É ótimo quando temos bons chefes e colegas de trabalho que nos ajudam. O apoio familiar é essencial, porque quando saímos da hemodiálise, muito cansados, se não tivermos quem nos dê um abraço e quem nos dê atenção e carinho quando chegamos a casa, é muito complicado. Uma pessoa sente-se isolada e perdida no mundo. Se tivermos família e, sobretudo, uma companheira que esteja do nosso lado que seja amiga e compreensiva, torna tudo mais fácil.

 

A grande notícia: o transplante

Numa consulta de pré-transplante, o médico avisou-me que tinha de ser transplantado rapidamente, na medida em que o meu coração estava muito danificado e dilatado. Felizmente, dois meses depois, a 2 de fevereiro de 2014, estava a ser transplantado.

Às 6h30 liguei para a ambulância, que durante tantos anos me transportou para a hemodiálise, a avisar que ia ser transplantado. Eles ficaram muito felizes por mim e deram-me palavras de apoio que foram importantes para mim e as quais muito agradeço.

A 1 de fevereiro de 2014 estava numa festa com os meus amigos quando me telefonaram às 2h da madrugada a informar que eu tinha de me apresentar no dia seguinte no Hospital Curry Cabral, às 7h30, para ser transplantado e para ir em jejum. Foi um choque para mim. Por momentos, pensei tratar-se de alguma brincadeira de mau gosto por parte dos meus amigos, pelo que perguntei várias vezes o meu nome completo e a data de nascimento para ter a certeza que tudo era real. Fui logo para casa. Não fui capaz de ficar mais na festa. Disse apenas que estava muito cansado e que me ia embora.

A primeira pessoa que contei sobre o transplante foi à minha mãe e a segunda, à minha ex-mulher. Não contei a mais ninguém. Foram elas que partilharam a minha doença e que mais apoio me deram. Estava num estado que não conseguia dormir. Sentia-me feliz, ansioso, em choque, porque foi uma surpresa que não estava à espera. Nunca o tempo demorou tanto a passar como naquela noite. Às 6h30 liguei para a ambulância, que durante tantos anos me transportou para a hemodiálise, a avisar que ia ser transplantado. Eles ficaram muito felizes por mim e deram-me palavras de apoio que foram importantes para mim e as quais muito agradeço.

No início o transplante foi complicado. Tive internado durante 19 dias, depois tive alta e, na semana seguinte, quando fui à consulta fiquei logo internado, devido a uma infeção urinária, durante 15 dias. Passado uma semana de ter tido alta, fui à consulta e fiquei novamente internado por os valores da creatinina estarem altos.

 

Amor: encontros e desencontros

Durante o internamento tive uma surpresa muito grande, pois conheci a minha companheira atual e fiz muitos amigos, que mantenho até hoje. Tudo começou com uma brincadeira e os nossos caminhos estavam sempre a cruzar-se. A Cinada é transplantada hepática. Quando eu tive alta pela primeira vez, ela continuou internada e quando fui internado pela segunda vez, ela continuava no Hospital. Depois tivemos os dois alta e, quando eu voltei a ser internado, ela também tinha voltado para ser internada, pelo que nos cruzámos muito no Hospital. Depois de termos tido alta, estivemos um tempo sem nos falarmos e o primeiro encontro só se deu a 17 de fevereiro de 2015 para almoçar e combinámos encontrarmo-nos no Dia dos Namorados. Desde então, nunca mais nos separámos.

Durante o internamento tive uma surpresa muito grande, pois conheci a minha companheira atual.

Quando comecei a fazer hemodiálise estava com a minha ex-mulher que nunca deixou de me apoiar, mesmo quando eu estava no Hospital por causa do transplante. Quando eu chegava a casa por volta das 23h – meia noite, depois da hemodiálise, ela estava sempre à minha espera e perguntava-me sempre se tinha corrido tudo bem e se eu queria comer alguma coisa. Esteve sempre do meu lado. É diferente estar com alguém que também é transplantado. A Cinada passou por situações muito complicadas com a doença. Ajuda muito o facto dos dois sermos transplantados, na medida em que há um entendimento diferente em relação à doença e a tudo o que passámos. Ajudamo-nos mutuamente.

 

Alguns conselhos

Para quem é doente renal, faz diálise e aguarda por um transplante digo para não perderem a coragem e a esperança. Não desanimem, porque nós continuamos a viver, apesar de ser muito duro fazer diálise. O importante é termos muita coragem e nunca perdermos a esperança.

Para quem é transplantado, aconselho hábitos de vida saudáveis. Não fumem, não consumam bebidas alcoólicas, evitem as bebidas brancas e não se metam em drogas. Com o transplante, nós nascemos de novo. É uma nova vida que nos é dada. O transplante representa uma nova oportunidade de vida. Continuo a praticar desporto e faço uma alimentação saudável.

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Chamo-me Jordão Brito, tenho 43 anos, sou doente renal crónico há cerca de 10 anos, fiz hemodiálise durante oito anos e há três anos que sou transplantado. Esta é a minha história.

 

 

Imagens: Fotografias de Jordão Brito gentilmente cedidas pelo próprio