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Princesa Lili: menina, mulher e guerreira

 

Nasci a 27 de fevereiro de 1993, no Seixal. Quando tinha um ano de idade, os meus pais optaram por me deixar com os meus avós maternos. Ainda hoje não entendo o motivo da decisão, talvez tenha influenciado o facto de ambos serem alcoólicos e do álcool constituir a prioridade para ambos, mas é uma decisão que, ainda hoje, não entendo. Não sinto mágoa nem rancor, apenas tristeza por eles não terem orgulho na única filha que têm e não se preocuparem minimamente comigo.

Os meus avós eram pessoas do campo. Viviam na Sertã, uma pequena vila no distrito de Castelo Branco. A vida no campo é dura, pois há sempre coisas para fazer, esteja a chover ou a fazer sol e como cresci neste ambiente, a minha vida até aos 14 anos de idade foi muito difícil, porque eu sempre tive que ajudar os meus avós nos trabalhos do campo e, à medida que iam crescendo, os trabalhos iam sendo mais exigentes. Os meus avós faziam criação de porcos, coelhos, galinhas e outros animas, por isso, tinha que tratar dos animais, apanhar batatas, azeitonas, regar a horta, e muitas tarefas mais. Quando saía da escola, ia diretamente para a horta, ajudar em tudo o que fosse preciso fazer.

Como é de esperar, quando cheguei a uma determinada idade, estava muito cansada desta vida, porque não podia estar com as minhas amigas em casa delas nem elas irem à minha, às 8h da manhã já tinha de estar a tratar dos animais e, por isso, não tive uma infância. Apesar de tudo, estou grata aos meus avós por me terem criado e educado da melhor forma que conseguiram. Sou uma pessoa muito trabalhadora. Atualmente, tenho três trabalhos nas limpezas e sei fazer tudo no campo.

Aliciantes de uma vida nova de portas abertas para o mundo

Aos 14 anos, cansada daquela vida, decidi fugir de casa. Não tive outra hipótese, porque ou fugia ou continuava ali a trabalhar como uma escrava e sem ter qualquer vida, para além do campo. Aos 15 anos de idade, fui viver para o Algarve, para casa dos meus tios, irmão da minha mãe. Vivia numa aldeia, chamada Budens, que fica entre Lagos e Sagres. Durante um tempo, senti-me fascinada e contente, mas depois tudo mudou. Inscrevi-me na secundária, pois quis continuar a estudar. Tirei o curso de Técnica Auxiliar de Ação Educativa. A partir de certa altura, os meus tios tornaram-se muito controladores e não me davam liberdade para fazer rigorosamente nada. Este comportamento fez-me reviver as minhas memórias de quando vivia com os meus avós e comecei a ser uma pessoa mais fria, séria e fechada. Apesar de ser uma pessoa positiva e com bom humor, estas vivências fizeram com que eu me tornasse uma pessoa madura demais para a minha idade, determinada e cautelosa.

Traçar objetivos e lutar por eles

Aos 18 anos, quando terminei o curso, comecei a trabalhar, porque queria tirar a carta de condução e comprar carro, o que acabei por conseguir. Luto muito por aquilo que quero. Entretanto, conheci um homem por quem me apaixonei, com uma diferença de idade de 16 anos, com uma filha e aceitei ir viver com ele. Foi um choque para os meus tios, mas tive uma conversa aberta com eles e disse-lhes que precisava de ter a minha independência. Os meus tios optaram por nunca mais falar comigo, decisão que respeito.

Quando fui viver com o meu namorado tudo mudou. Tinha o meu trabalho, o meu carro, a minha liberdade, a minha independência e, ainda por cima, alguém que gostava de mim, ou seja, era feliz! Até que aos 19 anos senti tudo isto a fugir.

O diagnóstico que transforma todo um futuro

Nesta altura, foi-me diagnosticado um tumor raro no rim direito. Fui seguida no IPO de Lisboa. A 18 de novembro de 2013 fiz a minha primeira cirurgia. Depois do Natal e da passagem de ano, voltei em janeiro de 2014 para ser novamente operada, onde me foi extraído o rim direito e o tumor. Nesta altura, estava longe de pensar no que iria passar. Estive dois anos internada no IPO, entrei em janeiro de 2014 e só saí em fevereiro de 2016. Fui submetida a um total de 30 cirurgias, onde múltiplas complicações aconteceram.

A relação que tinha com o meu namorado da altura, não sobreviveu à minha doença. Os profissionais não acreditavam que eu fosse capaz de sobreviver. Durante os dois anos do meu internamento, estive em coma, tive a barriga toda aberta, vi-me por dentro e por fora, deixei de andar e até a minha voz se modificou. Enfrentei tudo isto sozinha, não tinha visitas de ninguém, o que foi muito complicado de lidar com 19 anos de idade. O certo é que, contra todas as expectativas, consegui sobreviver e superar!

A força que brota de dentro e se torna o motor da vida

Ainda hoje não sei como consegui lidar com toda a situação. Talvez por ter uma vontade enorme de viver e de conhecer o mundo, talvez por ser uma pessoa paciente e calma e talvez por nunca ter deixado que a doença tomasse totalmente conta de mim.

Uma das consequências das minhas cirurgias foi o facto de ter ficado com apenas 30 cm do intestino delgado, tendo sido necessário a colocação de um saco, o que foi muito difícil de aceitar. Estes sacos são colocados na barriga, mas quem olha para mim, nem se apercebe que existem. Para disfarçar, uso cintas, uma espécie de body, o que me dá mais conforto e posso usar todo o tipo de roupas sem se notar nada.

Desistir? Isso não é para a Lili

Nestes dois anos criei uma página no Facebook, chamada “Princesa Lili - Nunca Desistam”, e, a partir daí, conheci muitas pessoas que vinham de propósito visitar-me e que me diziam que eu tinha uma história de vida surreal.

Durante esta fase menos boa da minha vida, aprendi imenso. Acredito que nada acontece por acaso, tudo tem uma razão de ser e de existir. Sou uma mulher muito adulta. Valorizo tudo na minha vida, coisas simples como beber um copo de água, aprendi a ser melhor pessoa, aprendi a agradecer e hoje sinto-me grata por tudo. Estou grata ao universo, à vida, a Deus, às pessoas, a tudo mesmo.

É assim que vejo a vida e, para mim, é a melhor forma. Continuo a lutar pelas minhas coisas. Deixei de ser ambiciosa quanto aos bens materiais, porque aprendi que não valem nada. O que importa são os momentos que vivemos em partilha com outros, são os sorrisos, os abraços apertados, os mimos que damos e recebemos, isto, sim, é que conta e que faz parte das nossas memórias.

Durante todo este processo, sempre fiz questão de me arranjar, mesmo quando estava em sofrimento total. A maquilhagem faz maravilhas à nossa autoestima e, por isso, nunca saio de casa sem me maquilhar. Basta colocar um pouco de rímel nas pestanas, um pouco de lápis nos olhos e batom e, automaticamente, sinto-me mais bonita e mais confiante.

Esta é uma parte da minha história. Atualmente, sou uma mulher muito feliz, tenho a minha casa, o meu namorado que me aceita como eu sou e o meu trabalho.

Independentemente do que vos aconteça, NUNCA DESISTAM.

Acreditem em vocês próprios, sorriam todos os dias (mesmo que não vos apeteça), pois nós temos de contrair a tristeza e combater todos os sentimentos negativos. Tenham pensamento positivo e lutem por aquilo que querem.

Beijinhos,

Liliana Batista

 

 

Imagens: Fotografias de Liliana Batista e do seu namorado gentilmente cedidas pelos próprios