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Entrevista a Liane Correia Costa

 

Liane Correia Costa: Uma médica que explora os efeitos da obesidade nos rins das crianças

 

Liane Correia Costa tem 32 anos de idade, é médica e investigadora. Desde outubro de 2016 que está subespecializar-se em Nefrologia Pediátrica no Centro Hospitalar do Porto, tendo anteriormente exercido funções como Pediatra no Centro Hospitalar São João.

Liane Correia Costa venceu o Prémio Banco Carregosa/SRNOM, no valor de 20 mil euros, com uma investigação na área da obesidade infantil e o seu impacto no rim denominado Childhood Obesity – Related Inflammation and Vascular Injury – Impact on the Kidney.

O Prémio Banco Carregosa/Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos tem um valor total de 25 mil euros: 20 mil euros para o projeto classificado em primeiro lugar e cinco mil euros a dividir por duas menções honrosas, que foram entregues a 22 de setembro de 2016.

Criado pela Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, patrocinado pelo Banco Carregosa e com coordenação científica de Sobrinho Simões, recentemente considerado o patologista mais influente do mundo, o galardão visa distinguir projetos de investigação clínica em Portugal.

O Pelo Rim teve o prazer de conversar com a investigadora distinguida Liane Correia Costa, numa entrevista onde nos falou sobre o alcance do seu trabalho e os avanços que este prémio permitirá atingir na investigação.

O que a motivou a escolher o curso de medicina?

A escolha da medicina pareceu-me sempre uma escolha natural... Acho que nunca me imaginei a ser outra coisa que não médica.

 

Em 2016 terminou o Internato de Formação Específica em Pediatria no Hospital de São João, no Porto. Porque razão escolheu esta área de especialização? Alguma motivação emocional associada?

As crianças e o desenvolvimento neuro-cognitivo espetacular a que assistimos nos primeiros anos de vida sempre me fascinaram. Desde o início do curso que sempre pensei em escolher a especialidade de Pediatria. Gosto muito do contacto com crianças e da facilidade com que conseguimos estabelecer um contacto genuíno com elas.

O que representa para si ter ganhado o Prémio Banco Carregosa/SRNOM com o seu trabalho na área da obesidade infantil?

Do ponto de vista pessoal e enquanto jovem médica que ambiciona uma carreira em investigação, sinto-me muito honrada por ver reconhecido o trabalho do meu grupo de investigação na primeira edição deste prémio. O reconhecimento público contribui para dar visibilidade a esta problemática e, possivelmente, para aumentar a sensibilização do público. Do ponto de vista monetário, o prémio vai contribuir para que seja continuada esta linha de investigação.

Numa perspetiva mais lata, esta iniciativa da SRNOM, em parceria com o Banco Carregosa, é louvável, porque valoriza e contribui para o reconhecimento público da investigação clínica feita por médicos como forma de produção de conhecimento e de melhoria da prestação de cuidados ao doente.

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De que forma este prémio mudou a sua vida?

A minha vida mudou muito pouco com este prémio, embora reconheça que, pela exposição pública e pelo valor monetário do prémio, este prémio poderá ajudar-nos no futuro a conseguir prosseguir com a investigação nesta linha do impacto da obesidade no rim. Além disso, este prémio é também um fator suplementar de motivação para persistir na conjugação da atividade médica assistencial com a de investigação, que nem sempre é fácil.

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De uma forma muito resumida, em que consistiu esta investigação? Durante quanto tempo a desenvolveu? Quais as principais conclusões?

O trabalho que realizámos procurava perceber o impacto do excesso de peso e da obesidade no funcionamento dos rins e na saúde dos vasos sanguíneos de crianças de 8-9 anos. Existiam até à data muito poucos estudos, tanto em Portugal como no resto do mundo, nesta área.

No nosso trabalho concluímos que as crianças com excesso de peso e obesidade apresentavam artérias mais rígidas (sinal de envelhecimento vascular), diferenças no modo de funcionamento dos rins, bem como diferenças na forma como vários sistemas de regulação do organismo estão ativados (inflamação, stress oxidativo, etc.).

Estes dados são relevantes, em primeiro lugar, pela forma como contribuem para melhorar a nossa compreensão dos mecanismos de lesão renal e vascular - a forma como fatores de risco, como a obesidade, produzem dano. Por outro lado, contribuem para fundamentar estratégias de intervenção na população para evitar o desenvolvimento de doença.

 

Quais as razões que a levaram a escolher esta linha de investigação?

O impacto da obesidade no rim e na vasculatura nesta idade ainda é silencioso (subclínico). Contudo, as diferenças encontradas, ainda que pequenas, significam que desde a idade muito jovem já se encontram em ação mecanismos que, se o excesso de peso se mantiver, se traduzirão em problemas importantes no futuro. Sabendo que Portugal é um dos países com mais elevada prevalência de excesso de peso - atingindo cerca de um terço das crianças ainda antes da puberdade - é particularmente importante combater a obesidade infantil para evitar as suas consequências na idade adulta.

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O que pretende fazer daqui para a frente?

É muito importante percebermos de que forma as alterações que encontrámos se comportarão no futuro. Assim, o nosso grupo de investigação pretende manter a avaliação destas crianças, que fazem parte da coorte de nascimentos Geração 21, um projeto da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto que segue mais de 8000 crianças desde o nascimento e as acompanhará até à idade adulta. Pretendemos compreender de que forma o rim e a vasculatura destas crianças que avaliámos se irão alterar, uma vez que existem muito poucos estudos a avaliar este problema a longo prazo. Neste momento, em particular, estamos a estudar a existência de alteração nos padrões circadianos (ao longo do dia) e de ritmicidade da pressão arterial de crianças obesas.

 

De acordo com a Comissão Europeia, Portugal está entre os países da Europa com maior número de crianças afetadas pela obesidade. Por que razão acha que isto acontece?

O problema da obesidade é complexo e sabemos que múltiplos fatores concorrem para explicar a sua génese. Nas últimas décadas temos assistido a uma importante transição dos padrões alimentares, mas também dos padrões de atividade física. As nossas crianças estão cada vez mais sedentárias e os hábitos alimentares e a dieta familiar são cada vez menos saudáveis. Além disso, sabe-se que o estado nutricional da mãe, ainda antes de engravidar, promove um conjunto de alterações a nível da programação genética do feto que condicionam um aumento do risco de obesidade na criança. Em Portugal, só agora estamos a começar a perceber que as consequências da obesidade, com início precocemente na infância, acompanham a criança durante toda a vida e condicionam um aumento de morbi-mortalidade que não é negligenciável. Portanto, só agora começam a ser efetivamente tomadas medidas para reverter a tendência do aumento da prevalência de excesso de peso e obesidade em idade pediátrica.

O tema do Dia Mundial do Rim deste ano é a Doença renal e a obesidade. Estilos de vida saudáveis para rins saudáveis. Que mensagem gostaria de deixar neste dia?

Em 2016, o tema do Dia Mundial do Rim foi a doença renal na criança e a escolha deste tema em 2017 vem reforçar a mensagem-chave da nossa investigação. O rim é um órgão que, até há poucas décadas, não era considerado como órgão-alvo da obesidade. Em adultos, o reconhecimento da obesidade como um fator de risco para o desenvolvimento de lesão renal nova e como um fator de risco para progressão de doença renal já existente, começa agora a estar estabelecida. Penso que é muito importante que consigamos passar a mensagem de que a obesidade em idade pediátrica vai também ter um impacto negativo muito importante no rim da criança e no risco de doença renal em idade adulta. Conseguimos mostrar isso na investigação que realizámos, mas é importante que esta mensagem chegue ao público em geral e aos decisores políticos, para ajudar a fundamentar estratégias de intervenção na população e evitar o desenvolvimento da doença renal associada à obesidade.

 

 

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Créditos das imagens: Nuno Almeida - MeDesign