Pelo Rim

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Enfrentar a doença renal crónica aos 11 anos

 

Existem situações pelas quais as crianças não deveriam passar. Ponto final. Mas, infelizmente, a doença não olha à idade. Crianças adoecem todos os dias e sofrem como adultos, às vezes até com mais coragem.

Porquê a eles? Não sabemos, nem poderemos saber. O caminho dos ‘porquês’ é um caminho sem saída. Lutar, esse sim é o melhor caminho. E foi esse o caminho que Bruna Barata e os pais decidiram seguir.

“Sentia-me cansada, deixei de comer, praticava natação e já não conseguia porque me sentia cansada”. Nesta altura, ainda com 11 anos, Bruna estava longe de imaginar qual seria a razão desta falta de energia. O diagnóstico surgiria pouco depois: doença renal crónica.

“Depois de fazer análises descobriu-se que era doença renal crónica e que já estava bastante avançada.  80% dos rins já não funcionavam”, explicou a jovem, hoje com 16 anos.

Nem a tenra idade, nem o historial clínico faziam prever o surgimento da doença, muito menos de forma tão repentina. Os pais ficaram sem chão e a pequena Bruna foi, aos poucos, descobrindo a gravidade do seu problema.

“Os meus pais ficaram completamente destroçados. Eu nem sequer sabia o que era. Como era muito nova, pensei que era daquelas doenças como a constipação que se podia tratar e passava. Depois, fui crescendo e percebendo que isto vai ser para o resto da vida porque o transplante não é uma cura, é um tratamento para viver mais alguns anos. Daqui a 10 anos pode já não estar a funcionar”, conta-nos, lembrando momentos difíceis.

Após o diagnóstico, Bruna foi colocada em lista de espera para o transplante, mas haveria ainda um caminho a percorrer. Perante a impossibilidade de receber um órgão dos pais e a incompatibilidade dos familiares, restava-lhes esperar pelo órgão de um dador desconhecido. Enquanto isso, foi necessário realizar hemodiálise, tratamento que a levou a passar grande parte do tempo na Pediatria do Hospital Santa Maria, onde foi seguida durante todo o processo.

“Quando entrei na lista para o transplante pensei que ia ficar logo curada. Depois explicaram-me que ainda iria ter alguns internamentos e que um rim não seria para o resto da vida, mas que não é certo.”

Como explicar a uma criança que tem uma doença crónica que condicionará a sua vida daí em diante? Uma tarefa difícil, mas que os médicos que acompanharam a Bruna desempenharam com distinção. “Apanhei alguns estagiários que não explicavam tão bem, mas os médicos mais velhos explicavam sempre muito bem e preferiam falar comigo do que com os meus pais para me explicarem bem a situação. As enfermeiras e auxiliares estavam sempre prontas a ajudar e a apoiar”, garante.

“Tive bastantes problemas. Estava quase sempre internada por causa de complicações, alergias aos líquidos ou porque o cateter saia do sítio. Passei quase um ano a viver no hospital. Era como se fosse a minha segunda casa”, relembra.

Nos longos períodos que passou no hospital foi ganhando uma segunda casa e uma segunda família. Conheceu muitas crianças com diferentes problemas, algumas com doença renal, outras com maiores complicações ou problemas mais graves, mas na hora de brincar, fosse qual fosse o problema, eram apenas crianças que se divertiam e eram felizes entre desenhos e brincadeiras.

A grande notícia chegou no dia em que estava prestes a ter alta, depois de mais uma das tantas complicações derivadas à hemodiálise. Iria receber um rim de um dador cadáver. “Lembro-me de algumas coisas nesse dia. Lembro-me de estar no bloco operatório, olhar em frente e estarem três médicos sentados numa mesa e um deles levantar um órgão e eu reparei que era o rim. Essa cena nunca mais me vai sair da memória”. Na verdade é uma das poucas memórias que guarda desse dia devido à anestesia.

Pintar foi uma das poucas coisas que pôde continuar a fazer, mesmo no pós-operatório. "Depois do transplante não podia sequer sair do quarto onde estava internada, fazia tudo lá. A minha sorte durante os internamentos, que por vezes chegavam a ser longos, foi que sempre gostei muito de arte e então fazia quadros para me entreter, alguns deles para oferecer à Pediatria", explica, com um sorriso.

"Hoje consigo ter uma vida completamente normal. Desde que me aconteceu isto, vejo a vida pelo lado positivo. Tento viver a vida ao máximo, divertir-me e esquecer-me que tenho este problema. Não vivo com o pensamento de que um dia terei de voltar ao que vivi antes ou ainda pior", diz-nos com a maturidade dos seus 16 anos.

O sofrimento pelo qual a família passou apresenta-se hoje como mais um laço que os une, bem forte. Mantêm os pés na terra, são esquecendo que o transplante não pode ser uma solução para toda a vida, mas mantêm também o foco na vida e aproveitam-na ao máximo.

"Olho para os meus colegas e olho para mim e vejo que tenho uma maturidade diferente. Vejo as coisas com outros olhos. Tento ver mais o lado perigoso das coisas, ter mais calma e eles não. Levam tudo na brincadeira. Mas ainda bem que pensam assim, porque não passaram por nada disto."

Bruna Barata fez 16 anos no passado dia 22 de maio (de 2016) e fará em breve 5 anos que foi transplantada no Hospital Santa Maria. O PELO RIM deseja-lhe os parabéns, felicidades e um feliz Dia da Criança.

 

 

Imagens: Fotografias de Bruna Barata e os seus pais, gentilmente cedidos pelos próprios