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Adesão ao tratamento no pós-transplante renal

 

Adesão ao tratamento no pós-transplante - um pormenor ou (muito) mais do que isso?

 

A adesão ao tratamento e à terapêutica é um problema na prática clínica, particularmente relevante em doentes portadores de doença crónica1 como são os sujeitos a transplantação. Para estes doentes, a única solução é um tratamento tecnicamente complexo dependente da existência de dadores de órgãos e, por isso, nem sempre disponível2. Por essa razão, seria expectável uma adesão (quase) perfeita ao tratamento, mesmo considerando que tal inclui, para além da adesão à terapêutica imunossupressora, a adesão a um conjunto de recomendações alimentares e de atividade física, evicção de álcool e fumo, entre outras2.

No entanto, na prática não é isso que se verifica. Estima-se que cerca de 25% dos doentes submetidos a um transplante renal não adiram ao tratamento3.

A não adesão terapêutica em doentes transplantados não só aumenta os custos do tratamento e a utilização (desnecessária) dos serviços de saúde como, e principalmente, reduz a qualidade de vida do doente transplantado. Está associada a um aumento da incidência de rejeição (aguda e crónica) e, consequentemente, à diminuição da sobrevida do enxerto, originando a reinstituição das terapêuticas depurativas e concorrendo desta forma para o aumento da morbilidade e mortalidade dos doentes. É sabido que não aderir ao tratamento imunossupressor constitui-se como um fator fundamental para a perda do enxerto em aproximadamente 1/3 dos pacientes, aumentando até sete vezes a possibilidade de falência do enxerto, quando comparado com os resultados de indivíduos aderentes3,4.

 

Adesão ou obrigação?

Na abordagem tradicional da adesão à terapêutica, esta foi inicialmente definida como a medida em que o comportamento do doente coincide com o ponto de vista clínico5. Ou seja, nesta perspetiva, aderir à terapêutica não seria mais do que a mera obediência simples às indicações emitidas pelo médico e o doente deveria cumprir, de forma obrigatória, as indicações dadas. Qualquer desvio que ocorresse face à prescrição seria da inteira responsabilidade do doente1,6. Naturalmente que esta definição evoluiu e hoje considera-se que adesão significa mais do que a adoção das instruções médicas e é utilizado como “sinónimo de concordância, compreendendo a aceitação e intervenção ativa e voluntária do doente, que partilha a responsabilidade do tratamento”1.

A adesão à terapêutica é um processo dinâmico que apresenta três componentes: iniciação, implementação e descontinuação. Nesse sentido, a não adesão pode ter diferentes manifestações:

  • atraso ou ausência no início do tratamento prescrito;
  • implementação do regime terapêutico de forma incompleta: algumas doses são omissas, de forma intencional ou não, por períodos mais ou menos longos;
  • descontinuação precoce do tratamento7.

No caso dos doentes transplantados renais, diferentes fatores têm sido associados à (não) adesão à terapêutica, podendo ser divididos em três grandes grupos: sociodemográficos, psicossociais e relacionados diretamente com o transplante:

Fatores sociodemográficos

  • Idade
  • Género
  • Estado civil
  • Situação profissional
  • Classe social
  • Etnia
  • Grau de instrução

Fatores psicossociais

  • Crenças de saúde
  • Crenças na medicação
  • Saúde mental
  • Fraco suporte social
  • Expectativa em relação ao transplante

Fatores relacionados com transplante

  • N.º de transplantes
  • Tipo de dador
  • Tempo desde o transplante
  • N.º de episódios de rejeição
  • Tempo de diálise
  • Dador diabético ou hipertenso
  • Severidade da doença
  • Estado de saúde funcional
Adaptado de Moreno (2012)8

 

Considerando todos estes fatores, ser transplantado com um órgão de dador vivo e ter a crença de não necessitar de terapêutica foram aqueles identificados como os que mais influenciam negativamente a adesão à terapêutica4.

 

Como melhorar a adesão?

Diversas estratégias ou intervenções têm sido desenvolvidas com o objetivo de melhorar a adesão à terapêutica nos doentes transplantados, podendo estas ser divididas em três categorias: intervenções cognitivas ou educacionais, intervenções comportamentais ou de aconselhamento e intervenções afetivas ou psicológicas9.

No estudo realizado por Berben9, as intervenções de profissionais de saúde que mais se destacaram na promoção da adesão à terapêutica foram facultar informação escrita ao doente, treiná-lo a tomar a sua medicação durante o internamento e estabelecer uma relação de parceria com o doente e pessoa significativa.

Tendo qualquer intervenção o objetivo de promover a adesão ao tratamento existem alguns aspetos-chave que devem ser considerados pelos profissionais:

  • Os doentes devem conhecer os seus medicamentos pelo nome, que dose devem tomar e a razão da toma do medicamento.
  • Os doentes devem ser informados sobre os efeitos adversos dos medicamentos e devem-lhes ser fornecidas instruções escritas para cada mudança na dose ou frequência da medicação.
  • Os doentes devem entender a necessidade de continuar a tomar os imunossupressores, mesmo que o órgão transplantado esteja a funcionar, já que a rejeição crónica pode ser assintomática no início e por isso difícil de diagnosticar e quando estabelecida é muitas vezes irreversível.
  • As famílias são uma peça fundamental em todo o processo terapêutico.

 

 

Em resumo, a adesão à terapêutica é um dos fatores mais importantes para o sucesso de um transplante renal. Os profissionais de saúde e os doentes devem discutir entre si as dificuldades percecionadas e sentidas no início e durante o tratamento, para que se encontrem as melhores alternativas para potenciar a efetividade do mesmo.

 

 

André Coelho - Professor da área científica de Farmácia da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa (ESTeSL)

 

 

Bibliografia:

  1. Bugalho, A. e Carneiro, A. (2004). Intervenções para aumentar a adesão terapêutica em patologias crónicas. ed. CEMBE da FML, Lisboa.
  2. Stilley, C., et al. (2010). Individual and environmental correlates and predictors of early adherence and outcomes after liver transplantation [Versão eletrónica]. Prog Transplant, 20(1):58-66. Acedido em 02 de setembro de 2014 em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2858409/pdf/nihms180225.pdf
  3. Prendergast, M. e Gaston, R. (2010). Optimizing Medication Adherence: An Ongoing Opportunity To Improve Outcomes After Kidney Transplantation [Versão eletrónica]. Clinical Journal of the American Society of Nephrology, 5:(7):1305-1311. Acedido em 28 de agosto de 2014 em: http://cjasn.asnjournals.org/content/5/7/1305.short
  4. Butler, J., et al. (2004). Frequency and impact of nonadherence to immunosuppressants after renal transplantation: a systematic review. Transplantation, 77(5)769-776.
  5. Sackett, D. e Haynes, R. (1976). Compliance with Therapeutic Regimens. The Johns Hopkins University Press, Baltimore.
  6. Cabral, M. e Silva, P. (2010) A adesão à terapêutica em Portugal: atitudes e comportamentos da população portuguesa perante as prescrições médicas. Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa.
  7. Vrijens, B., et al. (2012). A new taxonomy for describing and defining adherence to medications. Br J Clin Pharmacol, 73(5):961-705.
  8. Moreno, M. (2012). Adesão terapêutica em doentes submetidos a transplante hepático e renal. Tese de Mestrado de Gestão de Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública – Universidade Nova de Lisboa, Lisboa. 103 pp.
  9. Berben, L. (2011). Taking a broader perspetive on medication adherence: the importance of system factors. Ph.D. Thesis. University of Basel, Faculty of Medicine, Basel. 204 pp. Acedido em 01 de setembro de 2014 em: http://edoc.unibas.ch/1388/1/Dissertation_Lut_Berben_June_2011.pdf

 

 

Imagem: Pill Popper de Mike Chaput sob licença CC BY-NC-SA 2.0