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Viver com uma doença crónica

 

A doença crónica implica alterações no modo de viver, ou seja, muda-nos a vida que temos, obriga-nos a escolhas e a percorrer caminhos que não sabíamos existir. Cada doença tem as suas particularidades, seja o número de horas que a pessoa tem de despender em serviços de saúde, o tempo recomendado para repouso, as alterações na alimentação, a possível ausência do trabalho, menos rendimentos, alterações nos papéis sociais, dependências e interdependências do outro. Nas situações em que o doente precisa de alguém para se deslocar ou para realizar alguma atividade do dia a dia, as dificuldades emocionais da gestão da doença agravam-se. Assim, cada um tem a sua doença, com as respetivas implicações, e a vida alterada de formas diferentes.

 

Como ajudar o outro a viver com a doença crónica?

Os conselhos do amigo bem-intencionado, do familiar preocupado ou do “primo que veio da França” não são necessariamente bons. Lá porque as intenções são boas, ou aparentam ser, não é garantido que façam sentido na vida do outro. O doente deve sentir que as soluções são adequadas a ele, sentir que as consegue implementar, sentir que se adaptam à sua vida e que chegou o momento certo para as pôr em prática.

Também o técnico de saúde dá conselhos, que por muito lógicos ou racionais, o doente pode não os interpretar como úteis ou verdadeiramente bem-intencionados. São muitas vezes sentidos como crítica, como acusação ou falta de ética. Quem nunca ouviu críticas por não fazer os exercícios prescritos, a dieta recomendada ou por não ter feito o repouso devido? Seria mais útil perceber com o doente o porquê de não ter feito os exercícios, o que lhe dificulta cumprir a dieta ou o que o impede de repousar… Seja o amigo, o familiar ou o técnico com atitude impositiva, esta cria barreiras e gera mais dificuldades. Se queremos facilitar a sua vida enquanto doente crónico, temos de manter uma atitude empática, de escuta e de humildade. Será que a pessoa já ouviu aquele conselho muitas outras vezes? Será que ela já não pensou nisso primeiro? O que a impede de executar?

 

Combater a dependência e promover a autonomia

A pessoa doente, que tem uma parte ou partes de si doentes, não está totalmente doente. Do ponto de vista psicológico, é-nos claro no exercício da profissão esta necessidade de preservar a saúde, a pouca ou muita, principalmente a saúde mental ou o bem-estar psicológico.

A doença pode trazer várias dependências; contudo, a perda de autonomia a que muitos doentes são sujeitos, pode não estar inteiramente relacionada com a doença. Exemplo: se não pode caminhar, não quer dizer que seja empurrado sem que lhe perguntem se quer, para onde quer ou como prefere. A falta de saúde rouba muitas vezes a independência, e com ela o poder de decidir, dirigir as suas ações, ou seja, manter a sua autonomia. “Não, ela não pode, está doente”. O doente pode comunicar e decidir que não. Se respondemos pela pessoa, roubamos mais uma vez a sua independência, ferimos a sua oportunidade de dirigir a sua vida. A pessoa perde uma oportunidade de gerir as emoções que determinada ação que não pode fazer lhe suscita. Viver com uma doença crónica tem interferências suficientes sem que outros, bem-intencionados, roubem também a autonomia. Regular as emoções, seja na pessoa saudável ou naquela com doença crónica, só pode ser feito pelo próprio. Quanto muito, os outros podem fomentar ou promover essa regulação.

 

Viver vs Sobreviver

Viver implica o contacto com todo o tipo de experiências: boas, más, tristes, alegres, difíceis, fáceis, frustrantes … O doente crónico não deve ser impedido de vivenciar as “partes más da vida”, não lhe deve ser negado estar a par de algum problema que a família vive, ou de algum problema grave que aconteceu a outro doente, ou até uma morte de alguém com doença idêntica. Viver não é sobreviver. Não é assegurar necessidades básicas, como comer, dormir, receber afetos, ter a medicação que precisa. Viver implica experienciar a complexidade de eventos e o confronto com momentos ou decisões de grande dificuldade. Se negarmos à pessoa estar a par da vida total, não estamos a ajudar, mas a reforçar o modo de estar “doente”. Como se uma doença implicasse necessariamente fragilidade emocional ou mental. Às vezes, estamos frágeis. O doente não será exceção, mas deve ser tratado como pessoa e não como doente. Aceitar a doença naquela pessoa não é sinónimo de o etiquetar, mas sinónimo de o respeitar na sua globalidade bem como na sua singularidade.

 

 

Viver com uma doença crónica ou sem ela, é sempre viver. Não deixe que lhe diminuam a amplitude da sua vida, as suas emoções não têm fundo nem limitações. O seu sentir não precisa de estar doente.

 

 

Vera Guimarães - Psicóloga clínica

 

 

Imagem: the secret place de (flicts) sob licença CC BY-NC 2.0