Abílio, uma vida de questionador pautado pela arte e pela poesia

 

Oito de novembro de 1980. Em Malanje, Angola, nasce Abílio António Pequeno, uma força da natureza.

Durante cerca de um ano e meio, Abílio e os seus irmãos Ângelo e Francisco refugiaram-se na mata, juntamente com a população local.

Nasceu numa família de classe média, mas a sua vida modificou-se drasticamente por volta dos oitos anos de idade. Em setembro de 1988, os confrontos entre a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) e o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) fizeram-se sentir nas grandes cidades, nomeadamente em Malanje, sendo a guerra a responsável pela separação dos seus pais, tendo ficado com os dois irmãos mais novos a seu cuidado.

Durante cerca de um ano e meio, Abílio e os seus irmãos Ângelo e Francisco refugiaram-se na mata, juntamente com a população local. Os alimentos levados para a mata não duravam muito tempo e, desde logo, se fez sentir a privação alimentar bem como todas as outras necessidades mais básicas. Os tiroteios eram constantes, dia e noite e à medida que os dias iam passando, o regresso a casa tornava-se cada vez mais longínquo.

Este período de carência extrema vivida na floresta foi decisivo na formação da sua personalidade e também na origem da sua doença renal crónica.

As famílias que os acompanhavam foram-se naturalmente dispersando e, para os três, que eram apenas crianças, a vida foi-se tornando um fardo muito difícil de suportar. Enquanto viveram na mata, passaram pelas mais difíceis provações, desde falta de comida, de água potável, de roupa e de calçado. Chegaram muitas vezes a arriscar a vida para irem buscar alimentos às hortas e quando não eram bem-sucedidos, alimentavam-se de frutos selvagens que iam encontrando no percurso. Não tinham lugar certo para dormir. Às vezes, era debaixo das árvores e outras em cubatas de pau a pique (pequenas casas redondas construídas com barro e com cobertura de palha) abandonadas.

Este período de carência extrema vivida na floresta foi decisivo na formação da sua personalidade e também na origem da sua doença renal crónica.

Em 1990, Abílio e os seus irmãos foram acolhidos pela Casa do Gaiato de Malanje, tendo-lhe sido diagnosticado uns anos mais tarde o seu problema de saúde. Não existindo em Angola condições para o seu tratamento, o Padre Telmo, responsável pela Casa do Gaiato de Malanje, tratou dos documentos para que Abílio viesse para Portugal.

Em Santo Antão do Tojal, na Casa do Gaiato de Lisboa, teve o apoio do Padre Manuel Pereira Cristóvão e dos outros gaiatos, alguns nas mesmas condições de saúde.

Em 1997, iniciou a Diálise Peritoneal Crónica Ambulatória (DPCA) e, em 1999, depois de algumas infeções graves, começou o tratamento de hemodiálise. Este período teve altos e baixos, mas Abílio nunca desistiu, tendo a sua luta sido recompensada em junho de 2004, com o transplante que durou cinco anos, após os quais voltou à hemodiálise.

Depois de muito sofrimento conseguiu notícias dos seus pais, com quem passou a manter contacto, assim como com os seus irmãos, mas o reencontro nunca acabou por acontecer.

Abílio sempre se esforçou por fazer uma vida normal. Trabalhava, escrevia, pintava e fazia outras atividades que lhe davam prazer. Os seus trabalhos tinham como objetivo exprimir as suas emoções e a sua experiência de vida, à qual Abílio gostava de dar um toque poético.

Quando pintava, sentia que se tratava de um momento único e uma felicidade nunca antes sentida. Abílio defendia que a arte ganha vida quando somos interpelados pela mesma e que quem a contempla, se torna num questionador. Utilizava cores vivas nas suas obras para intensificar todas essas emoções, mas também porque o transportavam para as suas verdadeiras origens – África.

Depois de muito sofrimento conseguiu notícias dos seus pais, com quem passou a manter contacto, assim como com os seus irmãos, mas o reencontro nunca acabou por acontecer.

Abílio Pequeno
Abílio Pequeno

Abílio António Pequeno

1980 – 2014

Talvez por ser incognoscível sou hoje um instrumento da natureza que me alimenta.
— in Correntes de Vida

Percurso

  • Frequentou a Escola Artística António Arroio, com especialização em Cinema e Vídeo.
  • Frequentou o Curso Dada-Zen/Pintura-Escrita orientado pelo pintor Eurico Gonçalves.
  • No período 26 de maio a 2 de julho de 2011, realizou a primeira exposição de pintura individual, na ‘Casa do Professor’, no concelho de Loures.
  • Em outubro de 2011, realizou a exposição individual no ‘Palácio dos Arcebispos’.
  • Participou em várias exposições coletivas.
  • Escreveu peças teatrais.
  • Em 2005, publicou o livro de poesia Correntes de Vida patrocinado pela Junta de Freguesia de Santo Antão do Tojal.
  • Em 2014, publicou o livro de poesia Asas da Emoção da editora Pastelaria.

 

 

Abílio faleceu em julho de 2014, vítima de um ataque cardíaco. A equipa do site Pelo Rim quis, desta forma, prestar homenagem a um amigo, que se cruzou nas nossas vidas.

 

 

Imagens: sem nome de André Pereira sob licença CC BY-NC 2.0 sem nome de André Pereira sob licença CC BY-NC 2.0 O nosso banco, a nossa sombra de mario pinho sob licença CC BY-NC 2.0 As magníficas quedas de Calandula de mario pinho sob licença CC BY-NC 2.0 I Often Dream of Trains de Pedro Sousa sob licença CC BY-NC-SA 2.0 I Often Dream of Trains de Pedro Sousa sob licença CC BY-NC-SA 2.0 Hinos de Pedro Sousa sob licença CC BY-NC-SA 2.0

Fotografia do Abílio Pequeno gentilmente cedido pelo próprio

Videos: Ser Poeta Abílio Pequeno de Hugo Cruz sob licença Licença Padrão YouTube "Asas de Emoção" de Abílio Pequeno de Teresa Queiroz sob licença Licença Padrão YouTube